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A quimioterapia é um tratamento importante contra o cancro da mama, capaz de salvar vidas humanas. Mas não é desprovida de riscos. E embora alguns dos seus efeitos secundários sejam reversíveis e de curto prazo, há outros que não o são, podendo mesmo resultar em graves repercussões para a saúde da doente. Portanto, é extremamente importante que os médicos possam avaliar, caso a caso, se os benefícios da administração da quimioterapia ultrapassam os seus riscos.
Até agora, esta avaliação colocava um problema particularmente difícil em relação aos cancros da mama diagnosticados em estados iniciais da doença. Fátima Cardoso, directora da Unidade de Mama no Centro Clínico Champalimaud, tem liderado os esforços para encontrar uma solução para o problema e tem uma resposta que se encontra nas últimas fases de certificação: um teste chamado MammaPrint (link1, link2).
Cardoso é uma figura de proa na área do cancro da mama. Desempenha cargos em múltiplas organizações europeias do cancro, incluindo o EORTC (European Organisation for Research and Treatment of Cancer), o organismo que coordena o estudo pan-europeu destinado a validar a utilidade clínica do MammaPrint.
No ano passado, quando o estudo chegou a meio da sua duração, já permitia demonstrar claramente o valor do MammaPrint: “Descobrimos que, num grupo de doentes com cancro da mama em fase precoce que tradicionalmente iriam receber quimioterapia, cerca de 46% podiam evitar este tratamento graças ao MammaPrint. É uma percentagem enorme, que nos vai permitir diminuir substancialmente o número de doentes que são submetidas a tratamentos agressivos de quimioterapia sem disso retirar benefícios significativos”, diz Cardoso.
Uma assinatura de 70 genes
Qual é a razão da discrepância de avaliação entre o método tradicional e o MammaPrint? O método tradicional para avaliar o risco de recidiva de uma doente, e portanto a necessidade de a submeter a uma quimioterapia, implica considerar múltiplos factores, o que é uma análise complexa”, explica Cardoso. “Factores como o tamanho do tumor, a disseminação ou não do tumor para os gânglios da axila e a presença ou ausência de marcadores biológicos específicos. Tudo isto e mais é tido em conta e combinado com as chamadas ‘características da doente’ – a sua idade, o seu estatuto reprodutivo [antes ou depois da menopausa] e a presença anterior de outras doenças.”
O MammaPrint, pelo seu lado, foca-se na informação genómica do tumor, mais especificamente num conjunto de 70 genes que se sabe serem preditivos da reincidência do tumor e do desenvolvimento de metástases.
“O estudo inicial, que identificou esta ‘assinatura de 70 genes’, foi conduzido pelo Laboratório Molecular do Instituto do Cancro da Holanda”, diz Cardoso. “Nesse estudo, foi analisada a informação genómica de tumores provenientes de doentes com cancro da mama. Dos 44.000 genes estudados em cada tumor, a equipa isolou um grupo de 70 genes que eram muito importantes, na medida em que a sua expressão (aumentada ou diminuída) era indicativa do prognóstico a longo prazo da doença. Mais especificamente, estes genes permitiam prever se o tumor iria reincidir após um período de dez anos em doentes que não tivessem feito quimioterapia.”
Segundo Cardoso, a descoberta foi muito alentadora, mas era apenas um primeiro passo. A seguir, foi necessário confirmar o valor do teste em termos de ajuda à tomada de decisão relativamente à quimioterapia num grande ensaio clínico junto de um grupo diferente de doentes. “Não foi fácil encontrar amostras congeladas de tumores de doentes que não tinham sido tratadas e que tinham sido acompanhadas pelo menos durante dez anos, mas acabámos por conseguir. Os resultados confirmaram os resultados iniciais: a assinatura de 70 genes revelou-se capaz de identificar as doentes com baixo e alto risco de recidiva.”
Pôr o MammaPrint à prova
Esta validação adicional permitiu lançar um ensaio clínico a dez anos, em grande escala, chamado MINDACT e que envolveu 6693 doentes de nove países europeus. Liderado por Cardoso, que na altura trabalhava em Bruxelas e era directora científica da rede TRANS-BIG, que coordena o ensaio, este destinava-se a comparar a capacidade do MammaPrint na predição do risco de reincidência com a do método tradicional.
Durante o ensaio, o risco de recidiva de cada doente foi avaliado utilizando ambos o método tradicional e o MammaPrint. As doentes foram a seguir distribuídas por três grupos: o daquelas para as quais ambos os métodos davam um risco elevado de reincidência, o daquelas onde ambos davam um risco baixo e o daquelas em que as conclusões dos dois métodos discordavam. As doentes deste terceiro grupo foram então aleatoriamente destinadas a ser tratadas quer conforme a avaliação do método tradicional, quer conforme a avaliação do MammaPrint. Assim, se o risco calculado pelo método em causa fosse alto ou baixo, eram – ou não – submetidas a uma quimioterapia.
Passados cinco anos, os resultados foram impressionantes: mostraram que “se uma doente fora classificada como de alto risco pelo método tradicional, mas de baixo risco pelo método genómico, o facto de receber quimioterapia não tinha benefício significativos para essa doente. Além disso”, diz Cardoso, “o estudo mostrou também que cerca de 46% das doentes inicialmente consideradas de alto risco pelo método tradicional podiam de facto ser classificadas como de baixo risco pelo MammaPrint e evitar a quimioterapia. Esta enorme percentagem vai-nos permitir diminuir substancialmente o número de doentes que recebem quimioterapia.”
Introduzir o Mammaprint na clínica
O Mammaprint já está disponível comercialmente, mas apesar dos fortes resultados obtidos até agora, a maior parte dos sistemas de saúde públicos e das seguradoras privadas ainda não reembolsam o teste. Isto tem a ver com o seu custo, entre 2500 e 3000 euros. Contudo, os estudos de custo-eficácia mostram que a sua utilização adequada, nomeadamente no grupo certo de doentes, pode na realidade permitir poupar recursos financeiros.
Segundo Cardoso, existe um grupo substancial de doentes para as quais o teste pode ser de uma grande ajuda, mas que não têm acesso a ele porque actualmente, tirando raras excepções (em Portugal, o IASFA e a CGD), o teste não é reembolsado e nem toda a gente pode custear as despesas envolvidas. “Este ensaio fornece provas de nível um (o mais forte) da utilidade do teste. O MammaPrint ajuda as doentes e é rentável. Não há razão para não o utilizar”, conclui.
Translated by: Ana Gerschenfeld(Science Communication office). Image credit: © 2016 Fotografia de Joaquim Leal.
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