Nós e os germes: o que são ‘superbactérias’ e o que podemos fazer para combatê-las

Foto por Alicia Watkins (copyright Alicia Watkins 2012; https://www.etsy.com/people/aliciawatkins)
(Available in English)

 

As ‘superbactérias’, frequentemente referidas como ‘assassinas silenciosas’ nos media, são uma das maiores ameaças à saúde pública do século XXI. Mas afinal o que são? E o que podemos fazer para combater esta ameaça?

 

No passado mês de fevereiro, a Organização Mundial de Saúde publicou uma lista com doze famílias de bactérias consideradas ‘patógenos prioritários’, isto é, aqueles para os quais os governos e organizações de saúde a nível mundial deverão procurar, com urgência, uma cura (1). É fácil compreender a razão pela qual este tema gera facilmente pânico e como estes ‘cavaleiros do apocalipse’ microscópicos podem ser percepcionados como os catalizadores da queda da medicina moderna. Contudo, nem tudo está perdido e em vez de entrar em desespero, podemos fazer alguma coisa quanto a isso!

O termo mais correcto para o fenómeno das ‘superbactérias’ é ‘resistência antimicrobiana’, mas mesmo esta expressão é frequentemente mal-entendida, gerando imagens de revolucionários microscópicos conscientes que lutam de forma ativa contra os antibióticos que utilizamos.

Na realidade, as ‘superbactérias’ não são mais do que estirpes bacterianas que evoluíram no sentido de se tornarem resistentes à maioria ou a todas as classes de antibióticos conhecidas hoje em dia. Isto acontece, não através de um esforço consciente para impedir a atividade humana, mas através de um fenómeno chamado pressão seletiva.

Exposto de uma forma simplista, o fenómeno de pressão seletiva dá-se quando um ambiente se torna tão hostil que algumas características de certos organismos (que já estariam presentes na população e que dariam alguma vantagem seletiva) permitem aos seus portadores viver mais tempo, reproduzir-se e passar essas características à geração seguinte. Isto acontece geralmente ao longo de muito tempo – milhares e milhares de anos; contudo, as bactérias são seres particularmente suscetíveis a este fenómeno devido aos seus ciclos de vida incrivelmente curtos. Em condições ideais, como por exemplo em cultura laboratorial, foram já observadas duplicações do número de organismos numa colónia em menos de 20 minutos. Isto significa que cada vez que uma bactéria é sujeita a fissão binária e se divide em duas células, as suas características são passadas para a geração seguinte. A cada ciclo, o número de células com determinada característica, assumindo que esta não deixa de ter uma vantagem evolutiva, duplica.

Então o que despoletou a evolução das ‘superbactérias’ desta forma? Embora seja em parte um fenómeno natural, considera-se hoje que foi o uso indevido e abusivo de antibióticos o principal fator que contribuiu para este desenvolvimento rápido de ‘resistência antimicrobiana’.

Após a descoberta da penicilina em 1928 por Sir Alexander Fleming, o mundo entrou no que se chama a ‘era do antibiótico’. Doenças fatais comuns passaram a ser facilmente curadas e feridas infetadas deixaram de ser sentenças de morte. Os antibióticos tornaram-se rapidamente numa das inovações mais importantes do século e é fácil entender porquê – é incrível pensar que a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, foi travada sem acesso a antibióticos como os conhecemos hoje.

Contudo, este entusiasmo pelos antibióticos levou a que fossem prescritos para toda e qualquer instância de uma possível infeção e, em determinados países, era mesmo possível comprá-los sem receita médica e fazer auto-medicação. Isto gerou confusão relativamente a que doenças poderiam ser tratadas, ou não, com antibióticos (como por exemplo as constipações ou a gripe) e a uma utilização quase profilática dos antibióticos pelo público em geral. Esta utilização indevida levou a que as bactérias susceptíveis aos medicamentos fossem destruídas, enquanto que as bactérias naturalmente mais resistentes sobreviviam sem competição, levando a que pudessem reproduzir-se e prosperar. Este é o principal fator que contribuiu para o desenvolvimento de estirpes de bactérias multi-resistentes.

Então o que podemos fazer? É fácil pensar que um problema desta dimensão deva ser remetido a autoridades como a Organização Mundial de Saúde, sistemas de saúde a nível global, governos, laboratórios de investigação, entre outros. E é verdade que estas instituições têm um papel colossal na prevenção de uma era ‘pós-antibiótico’ e trabalham neste momento na contenção da ‘resistência antimicrobiana’ através de diferentes medidas: redução de prescrições para antibióticos, prevenção de infeções hospitalares e contaminação cruzada, pesquisa de classes de antibióticos, etc.

Estes passos são todos muito importantes para combater a ‘resistência antimicrobiana’. Contudo, cada um de nós tem também o poder de desempenhar um papel preponderante no combate a este fenómeno e agora que compreendemos como provocámos esta situação, deverá ser simples ver como combatê-la:

  • Nunca compre antibióticos sem receita médica. Deverá ser sempre um médico a decidir prescrever, ou não, um antibiótico, independentemente de quão certo possa estar de que a sua doença é provocada por uma infeção bacteriana.
  • Tome sempre o antibiótico prescrito até ao fim do prazo estipulado pelo médico. Mesmo que já se sinta melhor, a infeção pode permanecer no seu sistema; se terminar prematuramente o regime de antibióticos, está a contribuir para permitir que as bactérias mais fortes e resistentes subsistam e proliferem.
  • Não partilhe antibióticos. Estes medicamentos são prescritos para doentes específicos e infecções específicas.
  • Não guarde antibióticos. Se, por alguma razão, o seu médico lhe der indicação para terminar o regime de antibióticos antes do que estava determinado e lhe sobrar medicamento, descarte o antibiótico conforme o sistema em vigor no país (alguns países requerem a entrega de antibióticos em centros de saúde, farmácias, hospitais, etc.)
  • Não tenha medo de germes e não limpe demasiado. A maioria das bactérias são inofensivas e são essas que nos protegem contra as que não são. Limpar e desinfetar o ambiente de forma abusiva provoca pressão seletiva que permite a proliferação de bactérias mais fortes e potencialmente patogénicas.
  • Informe-se. Aprenda quais são as indicações e recomendações específicas para utilização de antibióticos no seu país. Saber é poder e isso é particularmente verdade neste caso. Partilhe o seu conhecimento com outros se for possível.

 

As ‘superbactérias’ não estão a tentar destruir-nos – mas isso pode acontecer se nada fizermos.

 

Bibliografia:
  1. http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2017/bacteria-antibiotics-needed/en/

 


 

A Rita Figueiredo fez investigação em imunologia e trabalha agora em marketing e relações públicas na indústria farmacêutica.

 


 

Edited by: Clara Ferreira(Section Editor).

 


 

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