Neurocientistas decifram um interruptor que controla o estado do cérebro

Circuitos neurais iluminam-se no cérebro de larvas de peixe-zebra quando este transita entre dois comportamentos. Credit: Credit: Sarah Stednitz, Martin Vötsch. (Max Planck Institute for Biological Cybernetics)

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Identificado um grupo de neurónios que atua como um regulador eletroquímico do estado geral do cérebro.

Um grupo de neurocientistas internacional, do qual faz parte João Marques, investigador no Centro Champalimaud, em Lisboa, descobriu um mecanismo semelhante ao de um interruptor no qual o cérebro de larvas de peixes-zebra alterna entre dois estados motivacionais. Num dos estados, o peixe desacelera os seus movimentos e concentra-se na tarefa de procura de alimento (caça). No estado oposto, o animal acelera e explora o seu ambiente. O mecanismo através do qual o cérebro alterna entre estados é um dos mistérios centrais da neurociência. Ao observar a atividade de todos os neurónios do cérebro enquanto o peixe procura de alimento, os investigadores conseguiram identificar um grupo de neurónios produtores de serotonina que conseguem atuar como um regulador do estado geral do cérebro. Esta estudo é hoje (18 de Dezembro) publicado na revista Nature.

Segundo o estudo realizado no Instituto Rowland, da Universidade de Harvard, existe um interruptor interno que permite ao cérebro mudar entre dois estados motivacionais. Mais precisamente, existe um grupo de neurónios serotoninérgicos (produtores de serotonina) que transmitem continuamente um sinal capaz coordenar a atividade geral do cérebro. A atividade deste grupo de neurónios é controlada por um sistema dinâmico que define o tempo e a amplitude desse sinal.

Grupo de neurónios coordena a alternância entre estados motivacionais

Os investigadores identificaram dois estados cerebrais distintos durante a tarefa de procura de alimento: exploração e explotação. Durante a exploração, os peixes são caçadores extremamente focados e eficientes. Durante a explotação, os peixes ficam inquietos e desatentos à presa. À medida que os peixes alternam entre esses dois estados, o seu desempenho como caçadores e a atenção às presas mudam drasticamente.

Existe um grupo de neurónios mergulhados no fundo do cérebro, cuja atividade parece coordenar a mudança entre os dois estados cerebrais. “A atividade neste grupo é notavelmente persistente e assimétrica, com um pico rápido e decaindo lentamente. O momento desse sinal corresponde exatamente ao momento das mudanças de comportamento”, explicam Jennifer Li e Drew Robson, investigadores principais deste estudo. Quando a atividade deste grupo de neurónios é elevada, o peixe é um caçador focado e eficaz. Quando a atividade relaxa, o peixe transita da exploração para a explotação, e de caçador focado passa a comportar-se de modo inquieto.

Descoberta de um relógio eletroquímico no cérebro

Recorrendo a um microscópio de tracking (acompanhamento e registo), desenvolvido pelos investigadores deste estudo, foi possível acompanhar fenómenos comportamentais do peixe-zebra, como a troca de estados cerebrais no ambiente natural do animal. Enquanto os peixes nadam livremente, sem qualquer tipo de constrangimento, os investigadores podem observar, registar e analisar, através da pele fina e transparente do peixe, a atividade das células cerebrais com elevada precisão.

Os resultados deste estudo revelam uma importante variável oculta, um relógio eletroquímico no cérebro, que molda a estrutura temporal da motivação e da tomada de decisão. Há evidências de que este mecanismo, capaz de mudar os estados cerebrais foi preservado ao longo da evolução das espécies.

Uma versão simplificada dessa troca de estado cerebral poderá controlar o movimento de vermes, e uma versão mais complexa pode coordenar a atividade do córtex cerebral em mamíferos e possivelmente em humanos. Estudos futuros serão necessários para entender completamente porquê e como é que este mecanismo foi preservado ao longo da evolução.


Daniel Fleiter is a science writer at the Max-Planck-Institute in Tübingen.

This text was adapted from its original version. Link to original text. Translated by: Catarina Ramos. CR SciCom Office.



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