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Como é que o cérebro sabe onde e quando colocar os nossos pés no chão para nos impedir de tropeçar quando caminhamos num piso diferente, como uma estrada cheia de neve ou o areal de uma praia? Num estudo inovador, cientistas em Lisboa, Portugal, encontraram semelhanças entre o modo como os humanos e os ratinhos aprendem a adaptar a sua maneira de andar e identificaram um local no cérebro que controla dois componentes cruciais para realizar esta tarefa – o espaço e o tempo.
Imagine que está a andar numa passadeira no ginásio. De repente, a passadeira divide-se em duas faixas, uma para cada pé, com um lado a mexer-se mais depressa do que o outro. Seria capaz de se adaptar à mudança e criar uma nova maneira de andar? Ou acha que hesitaria e tropeçaria se as suas pernas tivessem de mexer-se a ritmos diferentes?
Isto pode parecer um cenário extremo mas, sem darmos por isso, o nosso cérebro está continuamente a adaptar os nossos padrões de marcha. Por exemplo, quando aprendemos a andar de patins ou quando andamos em terrenos instáveis, como uma estrada de montanha, ou mesmo quando o salto de um dos nossos sapatos se parte.
Como conseguimos controlar estas tarefas? A resposta é: com treino. Para aprender, o cérebro faz repetidas tentativas até conseguir ajustar os comandos motores necessários para alcançar o seu objetivo. Esta capacidade de aprender novos padrões locomotores pode ser revelada por meio de uma “passadeira de duas faixas” (split-belt treadmill), que impõe diferentes velocidades a cada um dos lados do corpo, exigindo uma marcha assimétrica. Ao fim de alguns minutos a andar desta maneira, as pessoas aprendem a recuperar a simetria..
De duas pernas para quatro
Para entender como o cérebro aprende novos padrões locomotores, o laboratório de Megan Carey, no Centro Champalimaud, em Lisboa, Portugal, desenvolveu uma passadeira de duas faixas para ratinhos. Isto permitiu aos cientistas ensinarem ratinhos a andarem nestas faixas ao mesmo tempo que manipulam a atividade neural em populações específicas de neurónios para testar o seu papel na aprendizagem locomotora. Os resultados hoje publicados na revista Neuron por Carey e a sua equipa mostram que os ratinhos aprendem de uma forma muito semelhante à dos seres humanos e revelam pistas sobre como o cérebro realiza essa aprendizagem.
“Ficámos surpreendidos com as notáveis semelhanças entre a aprendizagem locomotora humana e a dos ratinhos”, diz Carey. Tal como nos seres humanos, a aprendizagem nos ratinhos depende do cerebelo, uma região do cérebro localizada na sua base, que controla a coordenação e várias formas de aprendizagem motora. Além disso, tanto a aprendizagem humana como a dos ratinhos tem dois componentes distintos que se adaptam a ritmos diferentes: o espaço e o tempo.
Desemaranhar o espaço e o tempo no cérebro
“Quando andamos (especialmente numa calçada portuguesa!), temos de colocar os pés no lugar certo, no momento certo. Qualquer um destes componentes não chega por si só ”, diz Carey. “Descobrimos que o controlo do ‘onde’ e do ‘quando’ são alcançados de forma diferente dentro do cerebelo.”
Para estudar a aprendizagem da marcha em duas faixas no ratinho, a equipa de Carey usou o LocoMouse, um algoritmo de visão por computador anteriormente desenvolvido por este grupo, e que monitoriza os movimentos das patas, do nariz e da cauda do ratinho de forma não-invasiva ao longo do tempo.
Usando o LocoMouse em combinação com ferramentas de genética molecular para manipular a atividade neural, os investigadores conseguiram não apenas identificar como os movimentos de cada um dos quatro membros se iam adaptando durante a aprendizagem, mas também desemaranhar o “quando” e o “onde” da aprendizagem locomotora no cérebro.
“Descobrimos que os dois lados do cérebro contribuem de maneira diferente para os componentes espaciais e temporais da aprendizagem”, explica Dana Darmohray, primeira autora do estudo. “Descobrimos que a aprendizagem espacial é prejudicada quando manipulamos a atividade neural em ambos os lados do cerebelo. Pelo contrário, a aprendizagem temporal só é afetada quando a atividade neural é manipulada do lado mais rápido da passadeira.”
“A lateralização que encontrámos ao nível neural mostra uma correspondência notável com a nossa análise comportamental [feita através do LocoMouse]”, diz Carey. “Enquanto os quatro membros contribuem para a aprendizagem espacial, a pata dianteira mais rápida deu uma contribuição única para a aprendizagem no tempo. Em conjunto, estas descobertas sugerem que as aprendizagens do ‘onde’ e do ‘quando’ colocar os pés são processadas separadamente no cérebro”.
O futuro
A aprendizagem locomotora numa passadeira com duas faixas é usada como terapia de reabilitação em pessoas com padrões de marcha assimétricos, como é o caso dos doentes com AVC. “Considerando as muitas semelhanças que descobrimos entre a aprendizagem dos ratinhos e a dos seres humanos esperamos que, talvez um dia, as pistas descobertas com este sistema possam ser utilizadas para desenvolver novas abordagens terapêuticas para as pessoas”, diz Carey.
Carey e a sua equipa já estão a preparar-se para os próximos desafios: “Agora, com as ferramentas que desenvolvemos, podemos começar a investigar mais a fundo como o cérebro lida com desafios de coordenação como este. A seguir, queremos descobrir como o cérebro separa os sinais sensoriais dos motores para calibrar o movimento no espaço e no tempo ”, conclui.
Full article reference: Dana M. Darmohray, Jovin R. Jacobs, Hugo G. Marques, Megan R. Carey. (2019). Spatial and temporal locomotor learning in mouse cerebellum. Neuron. DOI: 10.1016/j.neuron.2019.01.038
The article is available at: https://www.cell.com/neuron/fulltext/S0896-6273(19)30065-0.
Image credit: Carey lab, Champalimaud Centre for the Unknown
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