Aprender o que é perigoso pode sair caro, mas os animais sociais encontraram uma solução para reduzir o preço a pagar

Foto: pixabay.

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Para os animais sociais, como é o caso dos seres humanos, ser capaz de reconhecer a presença de uma ameaça a partir do comportamento de terceiros pode literalmente salvar-lhes a vida. No entanto, instintivamente, nem sempre os animais sabem reconhecer que, quando um membro do grupo paralisa – uma das três respostas de defesa universal – isso pode ser sinónimo de problemas. Num novo estudo, cientistas demonstraram a forma como os animais adquirem essa capacidade e identificaram um circuito neuronal que está na base deste comportamento.

O que faria se a pessoa que está ao seu lado, de repente começasse a gritar e fugisse? Seria capaz de, calmamente, continuar a fazer o que estava a fazer ou entraria em pânico? A menos que se trate do James Bond, é muito provável que escolhesse a segunda opção: entrar em pânico.

Agora imagine um outro cenário. Está na rua e a pessoa à sua frente de repente paralisa: ela pára e fica completamente imóvel. O que faria nessa situação?

“É aqui que a resposta se torna mais complicada”, diz Marta Moita, Investigadora Principal do Laboratório de Neurociências Comportamentais do Centro Champalimaud, em Lisboa, Portugal. “Embora paralisar  seja um dos três comportamentos instintivos básicos de defesa (a par da luta e da fuga), os animais não sabem instintivamente que quando os outros animais paralisam, eles estão, na verdade, a responder a uma ameaça”.

Para os animais sociais como nós, saber identificar se um membro do grupo está sob uma ameaça pode ser uma questão de vida ou de morte. Mas como é que essa aprendizagem acontece? Para encontrar a resposta a esta pergunta, Moita e a sua equipa desenvolveram um conjunto de  estudos. As suas descobertas mais recentes foram apresentadas em dois artigos científicos, um deles, publicado agora na revista PLOS Biology, e outro publicado recentemente na revista Current Biology. Em conjunto, estes dois artigos revelam o mecanismo através do qual os animais aprendem que a paralisação de outros é um sinal de perigo e descrevem os circuitos neurais que estão subjacentes à expressão do medo adquirido.

“Cair para aprender”

O que leva a que algumas respostas ao medo sejam inatas e outras tenham de ser aprendidas? A resposta a esta questão não é absolutamente conhecida mas podemos supor que, estando o mundo em constante evolução, os animais precisam ser flexíveis e ter a capacidade de se adaptar ao seu ambiente.

Por exemplo, quando um animal paralisa, ele essencialmente pára de se mover. Mas a falta de movimento significa necessariamente um sinal de perigo? “A resposta é não”, diz Moita. “Há situações em que um animal pára de se mover por motivos perfeitamente benignos; pode estar atento ou a observar algo. Então este comportamento inofensivo pode transformar-se num sinal de perigo. Quisemos descobrir como é que isso acontece”.

No estudo publicado na revista Current Biology, Moita e a sua equipa testaram vários cenários experimentais com ratos. Nestes descobriram que, primeiramente, o animal tem de passar por um processo chamado de “auto-condicionamento”, o que significa que a aprendizagem não acontece pela observação dos outros animais mas sim mediante a sua própria experiência. Mas mais do que isso, só pode acontecer se determinados critérios estiverem reunidos. “Ficámos um pouco surpreendidos com os resultados, pois o mecanismo de aprendizagem é bastante rígido”, refere Andreia Cruz, primeira autora do estudo.

A equipa descobriu que, para um rato paralisar e este comportamento  ser uma pista para o comportamento de outros ratos (ser uma “pista social”), precisa necessariamente passar por uma experiência de aprendizagem que reúna dois componentes principais: dor e imobilidade. Um sem o outro não será suficiente.

“Por exemplo, os animais que experienciam um leve choque nas patas (um evento que é doloroso) e como resultado paralisam, aprendem a reconhecer a paralisação de outros membros do grupo como um sinal de ameaça. Mas quando impedimos a resposta subsequente, ao remover o rato do cenário da experiência imediatamente após o choque na pata, a aprendizagem não acontece”, explica Cruz.

Pode parecer cruel, mas, de fato, como Moita explica, esta forma de aprendizagem  é extremamente benéfica para levar os animais a evitarem o perigo. “O rato passou por uma única experiência dolorosa (um leve choque nas patas) que o ensinou a reconhecer a paralisação  como uma resposta a um evento negativo. Como consequência, a partir de agora já não será necessário aprender “em primeira mão” todos os possíveis cenários capazes de causar experiências dolorosas. Em vez disso, ele precisa apenas estar atento ao comportamento dos restantes membros do seu grupo”.

Ouvir e temer o silêncio

A criação de uma associação entre a paralisação e o perigo significa que novas ligações neurais foram formadas no cérebro. Mas antes de entrar na problemática dos circuitos neurais envolvidos na aprendizagem, tornava-se necessário abordar uma outra questão relevante: que áreas do cérebro poderiam estar envolvidas na expressão desse medo recém-aprendido?

“A aprendizagem acontece pela associação de elementos cognitivos que antes não estavam relacionados”, explica Moita. “Por exemplo, na conhecida experiência de Pavlov, os cães descobriram que o som de um sino significava que estavam prestes a receber comida. Portanto, duas coisas não relacionadas anteriormente – som do sino e comida – passaram a estar associadas no cérebro”.

Moita salienta que vários elementos cognitivos podem estar associados a essa resposta defensiva recém-adquirida, entre eles um tipo especial de sinal auditivo – o silêncio.

A equipa já havia descoberto que os ratos que aprenderam a usar a paralisação  como um sinal de alarme estavam, na verdade, a detectar a passagem repentina de som para o silêncio. “Quando um rato paralisa, ele pára de se mover, o que efetivamente significa que ele pára de gerar som”, explica Moita. “Descobrimos que essa transição do som para o silêncio pode tornar-se uma pista social através da qual os ratos reconhecem que outro membro do grupo está a paralisar”.

Seguindo essa linha de pensamento, a equipa focou-se então na região do cérebro onde se processa a aprendizagem do medo e também no sistema auditivo. Os resultados – descrevendo um novo mapa neural que abrange essas estruturas – foram agora publicados na revista Plos Biology.

Descoberto novo mapa neural

A primeira pergunta que surgiu foi: como é que o sistema auditivo ouve o silêncio? Moita explica que, para responder a esta pergunta, tiveram que fazer o processo inverso. “Acreditamos que não é o silêncio em si que o cérebro detecta, mas antes a cessação do som”.

O sistema auditivo é composto por muitos milhares de neurónios, cada um deles com uma “preferência pessoal” por certas particularidades da informação auditiva. Por exemplo, alguns neurónios respondem a sons de alta frequência, outros ao início do som, etc. Assim, existem também “neurónios offset” que respondem à cessação do som. A equipa suspeita serem esses os neurónios que detectam o silêncio.

“Os ‘neurónios offset’ abundam numa área específica dentro de uma região do cérebro chamada tálamo auditivo. Quando bloqueámos a atividade dessa área, os animais que assimilaram a paralisação  como pista social e que normalmente responderam ao começo repentino do silêncio, deixaram de o fazer”, explica Ana Pereira, a primeira autora do estudo.

É importante destacar que essa mesma região auditiva está ligada à amígdala lateral – uma área do cérebro crucial para aprender a responder a sons ameaçadores. Poderia esta estrutura estar também envolvida no desenvolvimento de medo do silêncio? A resposta a que a equipa chegou é que “sim”. “Os nossos resultados mostram que a amígdala lateral é importante não apenas para a associação entre som e perigo, mas também entre silêncio e perigo”, diz Pereira.

A equipa usou então estes resultados juntamente com os obtidos no primeiro estudo, para gerar um mapa de como o cérebro expressa o medo da paralisação. “Este mapa  que identificámos inclui a rede de ligações que processa pistas auditivas em contexto de perigo”, diz Moita. “De uma forma mais global, o nosso trabalho abre o caminho  para aprofundarmos a compreensão de como os estímulos sensoriais e a sua relevância para o comportamento são codificados no cérebro”, conclui.


Translated from English by Teresa Fernandes. Edited by: Catarina Ramos. (CCU Communications).


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