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Cientistas descobriram que uma bactéria, que muitas vezes abunda nos cancros colorrectais, consegue literalmente viajar à boleia das células cancerosas desses tumores para locais distantes do corpo, onde é possível que promova o desenvolvimento de metástases.
Há uns anos, uma bactéria chamada Fusobacterium nucleatum, habitualmente presente na boca (associada à placa dentária), foi detectada em abundância nos cancros colorrectais. Hoje em dia, suspeita-se fortemente que esta bactéria influe sobre o desenvolvimento e o crescimento destes cancros.
Um novo estudo vai agora mais longe, ao mostrar que quando a F. nucleatum está presente num tumor intestinal primário, também o está nas metástases derivadas desse tumor. Os resultados deste estudo, que sugerem que a F. nucleatum poderá estimular o processo de metastização – e levantam a questão de um dia se passar a acrescentar antibióticos ao tratamento destes cancros –, foram publicados na revista Science.
Numa série de experiências, Matthew Meyerson, da Escola de Medicina de Harvard e do Instituto do Cancro Dana-Farber, com colegas dos EUA e Espanha, testou a presença da bactéria em amostras de tumores primários e de metástases hepáticas que provinham do mesmo doente. Os cientistas constataram então que quando a F. nucleatum estava presente no tumor primário, e só nesse caso, também estava presente – e viva – no tecido metastático correspondente. Mais ainda: as estirpes das bactérias detectatas nos tecidos primários e metastáticos vindos do mesmo doente eram, nas palavras dos autores, “quase idênticas”, apesar de a colheita de cada tipo de tecido ter sido realizada a meses, mesmo anos, de intervalo.
Por último, no tecido hepático metastático, a F. nucleatum estava localizada nas células cancerosas. No seu conjunto, estes resultados indicam que o micróbio incluído no tumor colorrectal inicial tinha migrado para o fígado a bordo de células malignas.
A seguir, os cientistas quiseram determinar o impacto que um tratamento com antibióticos poderia ter sobre o crescimento do cancro colorrectal. Para isso, recorreram a um modelo animal da doença, transplantando o tecido de cancros colorrectais humanos para ratinhos imunodeficientes de maneira a ver se estes “xenotransplantes derivados de doentes” conseguiriam desenvolver-se nos animais. E o que aconteceu foi que só os transplantes de tecidos cancerosos que continham F. nucleatum foram bem sucedidos – e que as bactérias permaneceram viáveis ao longo de várias gerações sucessivas de xenotransplantes.
Mas então, perguntaram-se, o que aconteceria a este tumores derivados de doentes se os animais recebessem um antibiótico, chamado metronidazol, ao qual a F. nucleatum é altamente sensível? Será que isso afectaria o crescimento tumoral?
A administração oral de metronidazol aos ratinhos cujos xenotransplantes continham F. nucleatum, escrevem os autores, resultou numa diminuição estatisticamente significativa do crescimento tumoral, associada a reduções significativas da carga bacteriana no tecido tumoral e da proliferação das células tumorais.
Os resultados “indicam que a Fusobacterium tem o potencial (…) de contribuir ao crescimento e à metastização do cancro colorrectal”, concluem os autores. “A nossa hipótese é que a Fusobacterium viaja com as células do tumor primário para locais distantes, fazendo parte integrante da colonização metastática dos tecidos”. Estes micróbios são portanto componentes “essenciais e intrínsecos” destes cancros.
Porém, os cientistas permanecem prudentes: antes de administrar antibióticos aos doentes com cancros colorrectais que contêm F. nucleatum, serão precisos mais estudos. Em particular, porque o impacto alargado destes medicamentos sobre a flora intestinal normal e saudável poderia acarretar efeitos negativos. “O ideal seria desenvolver um agente antimicrobiano específico da Fusobacterium de forma a avaliar o efeito sobre o crescimento tumoral de um tratamento selectivamente dirigido contra a Fusobacterium.”
Segundo dados recentes da Organização Mundial da Saúde, o cancro colorrectal é o segundo cancro mais frequente nas mulheres e o terceiro mais frequente nos homens. É ainda a quarta causa mais frequente de morte por cancro a seguir aos do pulmão, do estômago e do fígado.
Ana Gerschenfeld works as a Science Writer at the Science Communication Office at the Champalimaud Neuroscience Programme
Edited by: Catarina Ramos(Science Communication office). Photo credit: mostly*harmless(Creative Commons CC BY-NC 2.0)
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