Como nasce um cientista? Para comemorar o Dia Nacional do Cientista (16 de maio), contamos as histórias da “origem” de três cientistas da Fundação Champalimaud. Do mundo submarino dos documentários de Jacques Cousteau à cozinha cabo-verdiana, descubra as memórias e momentos que os levaram a seguir uma carreira na ciência e como o passado moldou o seu presente.

Sabine Renninger
INVESTIGADORA PÓS-DOUTORADA, LABORATÓRIO DA VISÃO À AÇÃO
“Alguma vez, no caminho para a escola ou para o trabalho, de repente reparou em algo que esteve sempre lá, mas em que nunca havia reparado? Desde pequena, que estes momentos me fazem questionar se o que estou a ver é realmente como o mundo é ou se consiste apenas na perceção que eu tenho do mundo. E cada vez mais me surpreende a forma como as pessoas podem experienciar o mesmo meio ambiente, de forma diferente.
De facto, a nossa perceção não é apenas uma simples representação da envolvente física, mas sim uma interpretação filtrada pelos nossos objetivos atuais, experiências passadas, emoções e crenças.
A maneira como vemos o mundo ao nosso redor molda diariamente as nossas ações e interações. Naturalmente comecei a interessar-me pelos mecanismos subjacentes à perceção visual e como isso afeta a flexibilidade do nosso comportamento. Para entender como o nosso cérebro seleciona os sinais visuais a processar e decide quais as ações apropriadas, dediquei-me ao estudo de uma espécie aquática vertebrada, o peixe-zebra.
O peixe-zebra, com apenas seis dias já interage, de forma adaptativa, com o meio ambiente. O seu cérebro pequeno e transparente permite-nos registar a dinâmica da atividade neuronal e estudar como o sistema nervoso integra informações do mundo exterior para gerar decisões comportamentais.”

Joaquim Alves da Silva
INVESTIGADOR PRINCIPAL, LABORATÓRIO DISFUNÇÃO DOS CIRCUITOS NEURAIS
“Desde que me lembro, sempre procurei perceber como funciona o universo em que existimos. Esta curiosidade foi provavelmente reforçada pelos meus pais e pela tendência que os adultos têm em bater palmas sempre que uma criança revela um conhecimento surpreendente sobre o mundo.
Mas a ciência não consiste apenas em saber coisas, está na verdade mais relacionada com o processo de explorar e descobrir coisas. Aprendi isso com os documentários do Jacques Cousteau, que muitas vezes assistia na televisão quando era criança. No verão, passava horas a tentar vislumbrar a vida subaquática com um par de óculos de mergulho rudimentares, nadando entre algas e imaginando que estava no Mar dos Sargaços.
Mais tarde, perante a escolha entre biologia marinha ou medicina, optei pela última. Compreensivelmente, a ciência na medicina é vista através de uma lente muito pragmática, com mais ênfase no conhecimento do que na exploração ou descoberta. E foi essa circunstância que acabou por me levar a fazer um doutoramento em neurociência.
Uma noite, estava a conduzir uma experiência utilizando luz para controlar a atividade de um grupo específico de células cerebrais em ratinhos. E à medida que a experiência se desenrolava, ficou muito claro que estava perante um resultado impressionante e uma potencial descoberta. Por um breve momento, percebi que provavelmente era a única pessoa no mundo que sabia daquela informação, sozinho às 22h, num quarto escuro e sem janelas. É difícil de explicar, mas esse foi um sentimento único, e que tenho perseguido desde então.”

Denise Camacho
ESTUDANTE DE DOUTORAMENTO, LABORATÓRIO FITNESS CELULAR
“Cresci em Santiago, uma ilha vulcânica verdejante no meio do Oceano Atlântico. É a maior ilha do arquipélago de Cabo Verde, com montanhas, vales e terras férteis. Desde cedo, passava o meu tempo a colher milho com a minha família nos campos por trás da nossa casa. O milho é um dos alimentos base da cozinha cabo-verdiana, e eu aprendi a cozinhar com apenas 10 anos, com os meus irmãos e irmãs.
Santiago está coberta de plantações de banana, e um dos pratos que aprendi a preparar foi o fidjós, uma receita tradicional de Cabo Verde em que fritamos banana misturada com farinha de trigo, ovo e leite. O óleo tem de estar bem quente antes de adicionar os fidjós, e se a temperatura não for a adequada, ficam crus por dentro.
Tive muitas experiências culinárias fracassadas, mas em cada uma delas aprendi sempre algo. De certa forma, o ter-me habituado a coisas que não funcionam na cozinha preparou-me para uma vida na ciência, já que muitas (talvez a maioria!) das experiências no laboratório não funcionam. Tal como acontece com as receitas, os protocolos científicos precisam ser otimizados, ajustados e adaptados, para que não fiquemos frustrados quando as experiências falham. A ciência é um processo iterativo, assim como cozinhar.
Lembro-me vivamente de um telefonema que o meu irmão me fez quando eu tinha 12 anos. Ele perguntou-me “O que queres fazer quando cresceres?”. Na altura, eu queria dizer algo que parecesse impossível, algo que o impressionasse, então respondi: “Eu vou ser cientista”. E aqui estou eu.”
Edited by: Hedi Young, Photography by: Alexandre Azinheira. Translated by: Teresa Fernandes, Champalimaud Communication, Events & Outreach Team.
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