Começar a perceber por que o consumo de álcool aumenta o risco de cancro

(Image: Nogas1974)
(Available in English)

 

A ingestão de álcool tem sido associada a diversos cancros. Agora, pode ter sido encontrada uma explicação para o fenómeno: a forma como as células reagem ao álcool.

É sabido, com base em muitos estudos estatísticos, que consumir bebidas alcoólicas está associado ao desenvolvimento de diversos cancros, incluindo da mama e colorrectal. Mas até aqui, não se sabia ao certo como isso acontecia ao nível biológico.

Uma equipa de cientistas no Reino Unido conseguiu agora identificar uma provável causa para esta associação nas células estaminais ditas hematopoiéticas: a danificação do ADN destas células por um subproduto do etanol (ou seja, o álcool de beber). Os resultados foram publicados na revista Nature.

As células estaminais são células capazes de dar origem a todos os tecidos do corpo, e continuam a ser produzidas na idade adulta. E em particular, as células estaminais hematopoiéticas são as células que dão origem às células brancas e vermelhas do sangue.

Uma das originalidades do trabalho é que, em vez de tentar determinar a acção do álcool sobre estas células num pratinho de laboratório, a equipa de Ketan Patel, do Laboratório de Biologia Molecular do Conselho da Investigação Médica britânica, em Cambridge, realizou as suas experiências em animais vivos.

Os cientistas administraram etanol diluído a ratinhos e estudaram o efeito nas suas células estaminais hematopoiéticas. Quando as células estaminais saudáveis (e não só as do sangue) se tornam disfuncionais, podem originar cancros.

“Certos cancros surgem devido a estragos no ADN das células estaminais”, diz Patel num comunicado emitido pela Cancer Research UK, que co-financiou o projecto. O objectivo da equipa era justamente ver se esses danos genéticos poderiam ser causados pelo álcool.

Para testar a ideia, os cientistas analisaram os cromossomas e sequenciaram o ADN de células estaminais do sangue dos ratinhos de forma a determinar se um subproduto do etanol, o acetaldeído, seria responsável pelas alterações genéticas. O acetaldeído é um composto tóxico produzido pela metabolização do álcool.

Descobriram assim que o acetaldeído é de facto capaz de danificar os cromossomas e de provocar mutações profundas e irreversíveis no ADN das células estaminais hematopoiéticas. “Algumas alterações ocorrem por acaso”, diz Patel, “mas os nossos resultados sugerem que consumir álcool pode fazer aumentar o risco de essas alterações acontecerem.”

O organismo tem formas de lidar com o acetaldeído para se proteger – em particular, através de uma classe de enzimas, chamadas aldeído desidrogenases (ALDH), que desintegram o acetaldeído num outro composto, potencialmente benéfico. Porém, milhões de pessoas no mundo, nomeadamente no sudoeste asiático, não possuem estas enzimas – ou possuem versões disfuncionais das mesmas. Para essa parte da população, os risco de consumir álcool poderá ser maior.

Para o mostrar, os cientistas fizeram uma outra experiência: deram etanol diluído a ratinhos mutantes que não fabricavam uma das enzimas deste tipo particularmente importante: a ALDH2. E constataram então que os animais desprovidos de ALDH2 apresentavam quatro vezes mais alterações no ADN das suas células estaminais sanguíneas do que os ratinhos não mutantes.

Também existem mecanismos para reparar os danos causados ao ADN quando a primeira linha de defesa (as ALDH) falha. No entanto, num artigo da sua autoria publicado no site theconversation.com, Patel alerta para o facto que, mesmo quando se encontram plenamente funcionais, estes mecanismos de defesa não são perfeitos e não protegem totalmente o corpo contra os cancros associados à ingestão de álcool.

Os resultados também poderão ser válidos para outros tipos de células estaminais, mas esta questão ainda não foi estudada. Seja como for, a nova análise das células estaminais sanguíneas permite pensar que o álcool poderá danificar de forma semelhante outras células estaminais do corpo, tais como as que dão origem aos tecidos do intestino e do fígado, escreve Patel.


 

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Ana Gerschenfeld works as a Science Writer at the Science Communication Office at the Champalimaud Neuroscience Programme

 


 

Edited by: Catarina Ramos(Science Communication office). Photo credit: Nogas1974(Creative Commons CC BY-SA 4.0)

 


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